sábado, 30 de outubro de 2010

O SOCIALISMO DO SÉCULO XXI


Diferentemente do que ocorre em outros países, onde a imprensa escrita perde leitores e publicidade e, em conseqüência, empobrece, no Brasil ela parece gozar de ótima saúde. É a impressão que me fica de uma semana intensa passada nesse país, entre o Rio de Janeiro e São Paulo (com direito a uma rápida escapada até o pequeno paraíso de Búzios), durante a qual, fiel à minha vocação de leitor inveterado de jornais, tomei café da manhã todos os dias mergulhado nas abundantes páginas de "O Globo", "O Estado de S.Paulo" e "Folha de S.Paulo", os três principais jornais do país. Excelentes, os três. Bem escritos e otimamente diagramados, com rica informação local e internacional, bons colunistas, pouco sensacionalismo e quase nenhuma fofocagem. A única coisa a lamentar é o pouco espaço dedicado à cultura, algo de que os três padecem — mas já sabemos que isso é, hoje, uma doença mundial.

A imprensa brasileira, escrita e televisiva, reagiu com muita força e condenou de maneira severa o fechamento da Radio Caracas Televisión pelo aprendiz de ditador venezuelano Hugo Chávez. Até o Senado brasileiro fez a mesma coisa, numa atitude que o enobrece, sobretudo considerando os escrúpulos e silêncios covardes de outros parlamentos latino-americanos diante da violação cometida por Chávez com a intenção de acabar com o pluralismo da informação e com a liberdade de expressão na Venezuela. Lamentável, isso sim, é o apoio que Chávez recebeu do presidente Lula, que justificou o fechamento da RCTV, para não despertar a ira do caudilho venezuelano, numa atitude que felizmente recebeu muitas e justas críticas da imprensa brasileira. De resto, não existe o menor risco de que Lula imite Hugo Chávez: embora lhe mande beijinhos escancarados e simule, por vezes, apoiá-lo, sua política vai no sentido exatamente oposto ao da estatização e do coletivismo econômico que o destemperado comandante aplica em seu país, decidido, pelo visto, a produzir na Venezuela uma catástrofe econômica e institucional semelhante à gerada no Peru pelo general Juan Velasco Alvarado, mais um dos mentores e modelos de Hugo Chávez, além de Fidel Castro.

Lula optou por um socialismo moderno, à moda europeia, ou seja, por um socialismo que dele só mantém mesmo o nome, pois apoia o investimento estrangeiro e o mercado, a abertura econômica e a empresa privada. E é por isso que os empresários brasileiros estão satisfeitos com ele: sabem que suas declarações esporádicas de simpatia em relação a Chávez são meras concessões retóricas à esquerda radical com vistas a aplacá-la — sem nenhum sucesso nesse sentido, aliás, pois ela já o ataca por considerá-lo um traidor da revolução. São os paradoxos do tempo em que vivemos: Lula, campeão do capitalismo para uma direita econômica brasileira que vê no ex-sindicalista a melhor defesa contra o “socialismo do século XXI” proposto por Hugo Chávez.


Por Mario Vargas Llosa, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura

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